quarta-feira, 14 de dezembro de 2011

Dignidade!

Eu ia criar um outro blog pra postar isso, mas não dá tempo, e eu preciso escrever sobre o que vi agora. O Tomate! trata de percepção, seja sobre o que for... E esse é um caso de percepção... Assustadora, sim. Realista demais, sim. Bem além do que eu achava que podia ver? Sim, também.

O fato é que acabo de ver uma cena que me deixou sem ação: um homem comendo lixo. Espere, não pare de ler por ser um homem comendo lixo, já que:
1. O homem não agia como geralmente vemos os catadores de lixo
2. Não podemos mais ignorar esse tipo de situação

Eu estava descendo a rua para comprar algo que minha mãe me pediu, no centro da cidade. Quando virei para a rua da Igreja Nossa Senhora do Rosário, em frente a um condomínio muito limpo e conhecido, estava a cena mais chocante que já presenciei:
O homem era um senhor aparentemente idoso, pela aparência poderia dar-lhe 70 anos de idade. Ele estava debruçado sobre uma lata de lixo verde, das muitas que a prefeitura põe na cidade para ajudar a limpar as ruas. De início, pensei que fosse um catador de lixo normal - e aqui eu já fico assustada, só de imaginar que eu achava catar lixo algo normal -, mas não era. Ele não estava retirando o lixo da lata. Ele estava debruçado sobre ela, comendo. Aliás, terminando de comer, porque a próxima ação dele foi limpar a boca em um saco de papel, daqueles que as padarias usam pra colocar pães.

Juro que não tive reação imediata. Eu parei e fiquei olhando, sem saber o que fazer, o que dizer... Se é que algo podia ser feito ou dito ali. O homem ainda finalizou a "refeição" com um resto de refrigerante quente, que ele também retirou daquela lata. Minha única reação depois da volta do choque: registrar aquilo, para que todos pudessem ver. Peguei o celular, coloquei no modo de câmera, e teria fotografado a situação... Caso meu celular não tivesse descarregado justo naquele exato momento.
Chega a ser ridículo o fato de nem uma foto eu ter conseguido tirar. Nada pude fazer pelo homem, nem mesmo tirar uma foto para que talvez pudesse mobilizar as pessoas diante de tamanha pobreza. A tecnologia de que tanto nos orgulhamos de nada adiantou.

Mas aí eu pensei: será que isso é mesmo uma surpresa para as outras pessoas como foi pra mim? Vemos catadores de lixo todos os dias. Eu é que nunca tinha visto isso... Digo, eu já tinha visto catadores de lixo, já tinha visto pessoas comerem coisas do lixo também. Mas as pessoas retiravam o que "queriam" do recipiente de lixo, para depois comer. Alguém debruçado, comendo, cheirando, bebendo em uma lata de lixo... Isso pra mim é novidade.

Como estudante de Direito, minha cabeça ficou ainda mais confusa.
Porque eu estou dentro de uma sala de aula todos os dias, para todos os dias saber que, só para citar um exemplo de norma que disso trata, a Declaração Universal dos Direitos Humanos diz, em seu artigo de número XXV, que "toda pessoa tem direito a um padrão de vida capaz de assegurar a si e a sua família saúde e bem estar, inclusive alimentação (...)". Eu entro em uma sala de aula todos os dias pra depois sair de lá e ver que, por mais ridículo que isso seja, nem à manter sua dignidade as pessoas tem direito?

Chocada ainda quando voltei pra casa, comentei com minha mãe sobre isso. Eu disse, no meu delírio consciente:
"Onde fica a dignidade desse homem?"
Minha mãe, com mais tempo de vida e, provavelmente, tendo a mente mais treinada para situações assim, me disse:
"Ele não tem mais dignidade. Sumiu."
E a culpa não era dele. Como alguém pode ter dignidade se tem de comer em uma lata de lixo? Como alguém pode ter voz quando sua fome grita mais alto? Onde está tudo aquilo que estou estudando? Onde?

Eu aprendi que ideologia é, em minhas palavras, algo criado para que as pessoas possam conformar-se diante de certas atitudes do Estado ou de outras pessoas. É uma justificativa para o que está acontecendo/vai acontecer de errado, justificativa errada, justificativa capaz de cegar mais profundamente que ver o rosto da Medusa.

Seria a Declaração Universal dos Direitos Humanos mais uma ideologia? Rezo para que não seja.

E, se não é, onde estão aqueles que deveriam fazê-la cumprir? Onde está o Executivo, poder que deveria aplicar as leis à sociedade, fazê-las saírem do papel e cumprirem seu real propósito?

E, ainda pior do que tudo isso... Onde está a solidariedade humana que, se não pode (leia-se: não quer) devolver a um homem sua dignidade, pelo menos deveria lhe dar um pouco de comida de verdade?

Somos mesmo seres humanos? Temos humanidade ainda dentro de nós? Será que o polegar opositor e o telencéfalo altamente desenvolvido nos servem realmente de alguma coisa?

Sustento minha frase de momentos pessimistas, que infelizmente vale para todos os dias: porque temer o suposto fim do mundo em 2012? O fim do mundo acontece todos os dias.

Ainda estou chocada. E permanecerei. O meu choque é uma atitude ridícula de uma pessoa mimada que nunca tinha presenciado a miséria pura? Talvez. Mas se eu não ficar chocada, vou acabar como os outros: considerando isso algo comum, e passando direto ao ver uma cena de tamanho horror.

Prefiro o choque à indiferença
.

Sem mais.

Nenhum comentário:

Postar um comentário